o que se ouve entre a opy e a escola - corpos e vozes da ritualidade guarani


índice

capítulo dois
capítulo quatro




CAPÍTULO TRÊS:
RECURSOS DA RITUALIDADE: CORPOS E VOZES


os corpos e o espírito do tabaco

“Uma hecceidade não é separável da neblina ou da bruma que dependem de uma zona molecular, de um espaço corpuscular.” (Deleuze-Guattari, 1997:64)

Jakairá. Inspiração das belas palavras. Encorpora a bruma fertilizante do alvorecer. Tem como atributo de sua linhagem o tabaco, ofertado para o trabalho dos homens de conhecimento.
Entre os Guarani, o corpo é a via da conjugação ao cosmos. Entre as técnicas rituais Guarani de operação sobre o corpo está o uso do petÿnguá, realizado durante o mborahei cotidiano na opy.
O petÿn é um intercessor principal no mborahei m’bya. A prática mística associa-se ao uso do cachimbo, ainda que não se esteja cantando ou dançando. Os Guarani fumam de dia e à noite. O petyngua é um utensílio pessoal. Cada um tem o seu característico cachimbo. Mesmo as crianças têm seus pequenos cachimbinhos.
Elaborando a noção de construção de corpos, princípio da corporalidade, Viveiros de Castro pondera a centralidade do tabaco. Esse princípio está no cerne do perspectivismo ameríndio.
“A tecnologia de elaboração do corpo em reclusão se exerce por meio de intervenções sobre os canais de contato entre o corpo e o mundo.(...) O tabaco é a substância xamanística por excelência, quase o emblema do xamã, e tem funções criadoras e transformadoras: induz o transe, cura doenças, ‘benze’ objetos e pessoas.” (Viveiros de Castro, 1987:37)

Em uma disposição meditativa prepara-se o fumo em torno da fogueira, acende-se o cachimbo nas suas brasas e calmamente concentra-se na defumação do ambá. No início da cerimônia, todos se põem a fartar de tabaco para induzir o transe durante o canto-dança. A opy fica silenciosa. O uso do cachimbo sensibiliza o rezador para a meditação, para a escuta e para o canto. Apura os canais perceptivos que permitem ver e ouvir melhor.
“Associado ao espelho e aos fios tupãsã, o tabaco propicia outra via de comunicação privilegiada entre entidades xamanísticas. Pela fumaça do tabaco passam informações e substâncias que não se relacionam somente com as atividades terapêuticas, mas com a constante vigilância que o xamã deve ter da posição dos indivíduos nos diferentes domínios do universo.” (Gallois:43)

O petÿnguá, cachimbo guarani, é um instrumento de purificação do corpo. O tabaco e sua fumaça são dotados de propriedades purificadoras. Pela fumaça são feitos os trabalhos de cura de doenças.
Em outra noite na opy dessa aldeia, enquanto recebíamos instruções sobre a reza e o ritual em que estávamos tomando parte, Bastião disse que observasse a fumaça exalada pelo petÿngua de cada rezador. Ela não é a mesma, cada um tem a sua fumaça. Segundo o nhakaen, a densidade e a direção da fumaça depende da purificação e da posição que atingiu o rezador.
A densidade da bruma extraída do petynguá envolve um princípio estético. Associa-se ao atributo corporal da leveza. Essa propriedade da fumaça passou a prender então minha atenção. O movimento lento da nuvem espessa extraída do petynguá denota o domínio sobre essa arte de fumar o petyn. Na linguagem esotérica dos sábios guarani o petÿngua recebe o nome de ossos da bruma ou esqueleto da bruma . Bruma exalada do cachimbo de Nhande Ru Ete . Cachimbo herdado entre os atributos de Pai Kuará ao fim de sua jornada cosmogônica em busca do pai .
O uso do tabaco e a presença da fumaça transformam o corpo que adquire a leveza apreciada. A fumaça densa e pesada é obra de anos de estudo e purificação nos preceitos que compõem o ethos guarani. Vê-se assim, como um mesmo elemento pode mediar relações do corpo no âmbito social e sua dimensão cósmica.
A fumaça faz a sutura entre as dimensões. Através da fumaça o pajé pode atravessar de um plano para outro e empreender a cura de doenças ou conduzir o grupo na jornada realizada ao som dos cantos. A fumaça liga os nossos pensamentos com o céu, através dela o che ramói pode saber o que estamos pensando, afirma Tupã Mirim.
Nessa jornada coletiva todos fazem uso do petÿngua para acompanhar os cantos e a dança. Nos nhemongaraí das crianças e das ervas, rito de nominação ou espiritualização, a fumaça tem importante função ritual. Ao longo do cerimonial, o tabaco é consumido em grandes quantidades.
O processo de purificação através do tabaco pode chegar muitas vezes à limpeza pelo vômito. A fisiológica dos fluidos corporais e dos processos de comunicação do corpo com o mundo, entre os Guarani, se processa nessa prática. Tanto o uso do petÿngua e a manifestação da fumaça, como a música e a elaboração do ouvir constituem processos de transubstanciação corporal. Ambas as práticas operam a deformação e reconfiguração da percepção. A névoa toma conta da casa de dança. Os corpos se movem em meio a ela.
A intensificação através do uso excessivo de tabaco é marcada pelo vômito dos rezadores. Após o vômito costuma-se tomar um copo com água quente ou mate. Em seguida, ou se inicia a série de cantos, ou segue-se fumando em menor quantidade.
Após seu uso excessivo, no princípio, não podia sustentar-me sentado e tinha que deitar nos bancos da opy. Ao restabelecer-me, vinha com a visão e audição aguçados. O som melodioso dos cantos m’byá, marcado pela própria presença da ravé entre seus instrumentos, conforma-se com o uso do petyn.
Os membros do Oim-iporã-ma têm como nobre tarefa de afilhados ofertar com certa regularidade tabacos e erva ao che ramói. Uma parte de nosso fundo coletivo destina-se a essa despesa. Costumava comprar o fumo na tabacaria do Mercado Municipal. Entre os projetos a serem postos em prática está o plantio do tabaco visando a retomada do antigo costume dessa comunidade.

corpos da ritualidade

As pesquisas em Etnomusicologia tiveram uma importância crucial para os encaminhamentos de uma etnologia regional, baseada nos princípios epistemológicos que constituem o pensamento ameríndio. A corporalidade, estabelecida como categoria matricial, foi evidenciada nesses precursores estudos de antropologia sonora. Destaco os trabalhos que nos têm conduzido, como Menezes Bastos (1978), Seeger (1980, 1981), e Viveiros de Castro (1986, 1987, 1996).
A dimensão epistêmica da audição é base da Musicológica Kamaiurá de Menezes Bastos. O interesse sobre essa abordagem destaca-se pelo caráter hermenêutico que proporciona. Partindo da hipótese da especificidade do aparelhamento sensorial Kamaiurá, empreende um levantamento do léxico acústico, com o qual elabora uma teoria nativa da música Kamaiurá. Em seu retorno, o autor traz concepções que encaminham uma redefinição da grande valoração do aporte visual no Ocidente a partir dessa epistemologia auditiva (1978:79).
A partir das pesquisas em antropologia sonora, Anthony Seeger encaminha a proposta de uma etnologia regional, baseando-se nas categorias nativas das práticas e do pensamento ameríndios referentes à corporalidade. Nesses processos de constituição de identidades e alteridades via corpo, a ritualidade ocupa lugar central. É nesse ambiente, principalmente, que se operam as transformações corporais em que se distinguem pessoas e grupos.
Como prolongamento dessa concepção epistemológica, toma-se por referência a obra de Viveiros de Castro, que tem atualizado a questão no debate etnológico. Sua etnologia tem no perspectivismo ameríndio, categoria central de um multinaturalismo, o princípio que articula duas noções cruciais deste trabalho: corporalidade e regime enunciativo.
Ambos recursos centrais da ritualidade, desdobram-se processando subjetivações, norteados pela exterioridade, pelas linhas que instituem essa zona intermediária em que opera o regime de intensidades que instaura os corpos a partir de relações finitas, de afetos, mais do que substratos estanques. Na via do sistema de crueldades, apropriado por Clastres (1979) na concepção das socidades contra-estado, busca-se contrapor à concepção orgânica do corpo interior, correlata de um sujeito constante e isolado, pela concepção de força enquanto tensão orgânico-inorgânico, a qual envia às superfícies em que são travados os combates. Essa dinâmica do corpo de afectos, concebido no devir das forças conduz a concepção de aprendizagem que aqui se define.
O tráfego por momentos de ruptura do equilíbrio rítmico, que conduzem a uma sensibilidade aguçada por tais recursos deformantes, e sua posterior reinserção no ciclo rítmico cotidiano, possibilita a constante reelaboração perceptual que constitui essa aprendizagem.
Esse processo de aprendizagem realiza-se em termos de reelaboração perceptiva, via reciprocidade, na contra-corrente de nossa epistemologia de modelos explicativos. São raros os exemplos de pensadores, até o séc. XX, a conferir certa autonomia ao pensamento indígena, numa relativização do conhecimento ocidental.
O que ordena a antropologia da música, até então, é a abordagem descritiva objetiva, cujo método é o da transcrição e análise a partir das categorias da música ocidental . Essa concepção epistemológica etnocêntrica não se restringe, no entanto, à abordagem da música.
Só no séc. XX, com Anthony Seeger e Rafael Menezes Bastos disponibilizaram-se recursos para uma abordagem dos aspectos sociais e cosmológicos da produção sonora ameríndia. Com exceção de Nimuendajú, não se reconhece uma descrição etnológica da ritualidade até a segunda metade do século (Seeger et alli, 1987).
Nesse momento, o redimensionamento epistemológico da sociologia de tendência positivista conduzia à reconsideração dessas sociedades a partir de suas próprias categorias.
Essa operação deu início a uma crítica radical aos pressupostos que assentam a epistemologia da razão ocidental, do idealismo platônico e do reducionismo cartesiano à objetividade positivista. Essa crítica possibilitou a circunscrição da epistemologia ocidental, relativizada como paradigma em crise.
Essa crise de paradigma tem na antropologia um ponto de referência, ou de desreferencialização. Os encaminhamentos dessa disciplina conduziram-na, a partir das apropriações das categorias nativas pela etnologia, ao que Seeger conceituou cosmologias, encaminhando o debate para dimensões epistemológicas e ontológicas.
“Cosmologia pode ser definida como o meio pelo qual os membros de uma sociedade constroem seus universos e ‘pensam’ sobre si mesmos e outros seres dentro dele.” (Seeger, 1981:21)

As investigações etnomusicológicas tiveram importância ainda, por encaminharem a projeção da corporalidade como matriz dessa epistemologia, como já apontavam as investigações precursoras de Marcel Mauss.
A partir de seus estudos sobre o potlach, o autor concebe uma economia do dom sobre o valor positivo da perda que redimensiona a noção de valor da economia política, centrada na mercadoria, norteada, em sua forma primitiva, pelo escambo.
Ao tomar a categoria nativa como dínamo de sua teoria e, a partir dela, relativizar e circunscrever a economia baseada na mercadoria, o autor encontra suporte material para a recondução da reciprocidade simbólica. Dessa forma, ao abordar as técnicas corporais, assim como a noção de pessoa, aponta para essa opção epistemológica em que o corpo aparece como circuito da socialidade.
À medida que vai se definindo em relação às demais, ao longo do séc. XX, a etnologia brasileira vê se constelarem na órbita do corpo séries de problemas originais. Essa definição, tanto encaminha o corpo como categoria nativa, como fornece a corporalidade como princípio dessas cosmologias.
A atribuição do caráter axial da corporalidade nas cosmologias ameríndias, preparado nessas etnografias ameríndias, é finalmente assumido como programa na obra de Seeger (1980, [1979]1987). A corporalidade se insere na definição de processos de construção de identidades e alteridades, coletivas ou individuais, próprios a essas sociedades.
“Ele, o corpo, afirmado ou negado, pintado e perfurado, resguardado ou devorado, tende sempre a ocupar uma posição central na visão que as sociedades indígenas tem da natureza do ser humano” (Seeger et alli, [1979] 1987:13)

Ao tomar a corporalidade como categoria epistêmica central do pensamento ameríndio, a partir de seus processos de metamorfose, não se toma aqui o corpo como metáfora, e sim, como algo diverso do que assim chamamos. O enfoque fecha-se na relação, no movimento.
“Se os Yawalapíti dizem que a reclusão é ‘para’ se mudar o corpo, esta afirmativa não pode ser tomada como ‘metáfora’; ela deve ser ouvida ao pé da letra, desde que se entenda que o ‘corpo’, para os Yawalapíti, é algo diverso do que assim chamamos.” (Viveiros de Castro, 1987:37)

A partir disso, se constitui o empreendimento de imaginar essa cosmologia não como objeto a ser explicado pela antropologia, e sim, lhe atribuindo valor epistêmico, ou seja, colocada ombro a ombro com as nossas descrições e conceitos. Viveiros de Castro propõe que as concepções desse pensamento sejam tomadas como conceitos propriamente. Essa operação conduz a uma concentração sobre os idiomas simbólicos que constituem a corporalidade, mais do que sobre relações sociais entre grupos, objetivadas em trocas de bens ou mercadorias. A objetividade é reelaborada. Uma polaridade central que converge no corpo é a relação indivíduo/sociedade.
“Tudo neste trabalho conduz a elaborar a noção de corporalidade não só como categoria fundamental das sociedades sul-americanas, mas também como um conceito básico que provavelmente nos permitirá interpretar certos papéis sociais como o chefe, bruxo, cantador e xamã.” (Seeger et alli, 1987:24)
O estabelecimento de uma etnologia que suporte essa teoria do conhecimento ameríndio promove a sonoridade e a ritualidade, até então consideradas como acessórias, ou mesmo desconsideradas, à condição de vetor da produção de conhecimento dessas sociedades.
Viveiros de Castro, num atordoante exercício de ficção antropológica, propõe o animismo como ontologia, ao cotejá-lo com o naturalismo e sua ontologia dual natureza/cultura. Ao multiculturalismo desta, propõe seu contraste com um possível multinaturalismo das cosmologias ameríndias.
“O animismo pode ser definido como uma ontologia que postula o caráter social das relações entre as séries humana e não-humana: o intervalo entre natureza e sociedade é ele próprio social.” (1996:121)
O corpo, via perspectivismo, abrigaria a multiplicidade das naturezas, enquanto circuito da socialidade nessa “cultura”. A ritualidade é referência nesse contexto, visto que fornece o seu recurso principal: o regime enunciativo.
Como plano intermediário entre as representações, propriedades do espírito, e a morfologia fixa da materialidade substancial dos organismos, encontra-se o perspectivismo, propriedade somática. Dessa forma, quando aqui se refere a corpo, considera-se o feixe de afecções e capacidades que é a origem das perspectivas, constituindo-se nesse plano intermediário.
A metamorfose fundamental, de que resulta esse movimento, é no próprio corpo da antropologia. As metamorfoses iniciam-se com a supressão da dicotomia as “idéias nativas” e o “que realmente acontece” (as idéias do antropólogo). Passa-se pela conversão de uma natura naturans a natura naturata, ou seja, uma natureza passiva que circunscreve a sociedade é redefinida a partir de um sociomorfismo cosmológico.
Viveiros de Castro redefine, assim, o animismo como uma “teoria da mente” aplicada pelo nativo e não como condição a que estaria submetido; “...ele não é um estado mental dos sujeitos individuais, mas um dispositivo intelectual transindividual, que toma, aliás, os ‘estados mentais’ dos seres do mundo como um de seus objetos.” (2002).
Por fim, ou melhor, num mesmo movimento, é o corpo o agente e o locus das transformações substanciais, numa dialética onde os elementos naturais são domesticados pelo grupo e os elementos do grupo (as coisas sociais) são naturalizados no mundo dos animais. Esses processos de metamorfose ou devir que constituem elemento central do pensamento e da socialidade desses grupos fornecem um princípio de causalidade dinâmico para a antropologia. O corpo não é mais um elemento estático, ele libera o que há de relacional, o puro movimento do conhecimento.
“A metamorfose reintroduz o excesso e a imprevisibilidade na ordem humana; transforma os homens em animais ou espíritos. Ela é concebida como uma modificação de essência, que se manifesta desde o nível da gestualidade até, no limite, o nível da mudança de forma corporal.” (Viveiros de Castro, 1987:32)

Trabalha-se aqui com a hipótese de a gestualidade estar no limite dessas modificações. Focaliza-se a ritualidade na proposta de um regime de intensidades que aciona a sensibilidade visceral e as cadências fisiológicas. Essa redefinição do corpo destaca seus fluxos e movimentos, sua maleabilidade. Recorre-se às hecceidades: contraponto ao caráter estratificante que define nossa concepção de corpo, e também de sujeito. O regime de intensidades aciona o movimento puro.
A percepção capta apenas os móveis e formas em movimento. No entanto, o puro movimento é imperceptível. Cruza-se com a interessante resposta de Diógenes, a qual serve aqui de argumento ao devir vislumbrado por Heráclito, o qual Aristóteles enviou ao homem-planta, apropriando-se igualmente do devir. O corpo aqui não se situa em um universo de objetos que se dão a perceber a um sujeito estável, foco único de perspectiva. Pelo contrário, propõe-se um plano em que os percebidos só são captados na interconstituição perceber-percebido acionada no limiar da percepção. Essa percepção a seu modo se dá por um regime de intensidades que opera por captura e por dom, por trocas violentas e até mortais.
Reenviando à aprendizagem guarani, a partir de tal redimensionamento epistemológico, a percepção projeta-se como propriedade corporal central na produção de conhecimento via ritualidade. A maleabilidade da percepção é despertada pelos recursos dispostos pela ritualidade. Nessa esfera, os corpos caracterizam-se como zonas de vizinhança definidas por habitus colocando em circulação um socius cosmológico.
Entre os Guarani, o que permite o refinamento dos gestos é o encadeamento rítmico. Ele define, na música modal, a função de marcar os microintervalos que constituem o limiar da percepção, acionando, via marcação rítmica e variação de cadenciamento, a modulação das intensidades que detona o devir imperceptível. Dominique Gallois descreve essa modulação na prática de ritualidade do xamã waiãpi.
“(...) os auxiliares vêm se alojar no chocalho que o xamã começa a tocar lentamente e depois mais enfaticamente, para indicar a aproximação dos espíritos; esta aproximação também se manifesta pela voz do xamã, que transmite os nomes das entidades presentes.” (1996:67)

Os jogos de intensidade, explorados nessas práticas, processam deformações e reconfigurações na percepção. A modulação da intensidade, processada por uma variação do compasso, é conduzida num êxtase progressivo. No entanto, esse êxtase não se caracteriza pela entrega à espontaneidade. Estamos numa escola para aprender. Essa aprendizagem do corpo-pensamento, instaurada pela intensidade que libera as linhas de força, que põe os corpos em contato, opera segundo um princípio de lentidão, conforme Badiou.
A dança ao conduzir a transubstanciação do pesado em leve, encaminhada por esse princípio de lentidão, possibilita o tráfego de movimentos imperceptíveis que se passam em microintervalos.
Para a nossa percepção, as vivências na opy eram particularmente muito mais intensas na lembrança, que enquanto ocorriam. As lembranças, como o sonho, parecem captar alguns imperceptíveis, não acessíveis a sensibilidade disposta ao longo da duração, do tempo linear. Essa impressão parece remeter aos movimentos da arte marcial do pakua chinês, cujos movimentos beiram o imperceptível, enquanto guardam uma agilidade extrema, ou dos lutadores de sumô de Mil platôs.
Entrever tão-só movimentos. Incorporar-se ao grupo de dança, ao corpo de dançadores. Essa é aqui a imagem central que libera-nos o plano de imanência, no qual o princípio de composição implica-se perceptivelmente no composto.

uma dança m’byá

O corpo é como uma bicicleta que, na dança e no canto, deve desviar dos obstáculos.
(Tupã Mirim)
“Nós nem sequer sabemos de que é capaz um corpo.”
(Espinoza, Ética III, escólio 2)


Karaí é o dono da chama. seu fogo purifica e torna leve o pesado, transubstancia. O pássaro veicula essa propriedade. Ele marca a leveza como essa capacidade de ultrapassar o limiar da percepção. A percepção fixa se associa ao pesado. A agilidade dos movimentos quase imperceptíveis, refinados via ritual, coordena-se com altas intensidades.
A experiência de atravessar dez, doze, por vezes quinze horas cantando, dançando e tocando concomitantemente realiza uma modificação na sensação do corpo e na impressão do tempo. A vibração e o ritmo impregnam o corpo numa experiência de tempo estranha à sua cotidianeidade. Essa intensidade dissemina-se pelas dimensões dos pensamentos, dos afetos e dos perceptos.
Uma dança simples, realizada pelos M’byá com freqüência na tekoá Pyau, pode impressionar. Após algumas horas de sessão, todos colocam-se em círculo, de mãos dadas e voltados para o centro. Então, passam a saltar, fazendo a roda girar. Os dois pés saem do chão ao mesmo tempo, o que nos dá a justa impressão de nosso peso. A dança dura aproximadamente uma hora.
Com o tempo e a expansão do limite da capacidade de suportar o próprio peso, chegamos a uma experiência marcante de nosso corpo e da atuação da gravidade sobre sua estrutura.
Testemunhamos situações singulares no decorrer desse canto-dança. Por vezes, moças que chegavam ao limite de suas forças e seguiam carregadas, a cabeça caída para o lado, e apoiadas nos braços dos companheiros.
Nesse momento, é notável o caráter extático que se conjuga à serenidade que pauta todo o complexo ritual.


regime de intensidades

“As interferências também não são trocas: tudo acontece por dom ou captura.” (Deleuze,1992:156)

Êxtase progressivo: é assim que Nimuendaju descreve, em sua etnografia Guarani de 1914, o que se nomeou aqui regime de intensidades. Como se processa esse regime de intensidades? Essa progressão é uma chave para acompanhar os encaminhamentos do ritual coletivo .

“Com o êxtase progressivo, a dança do próprio pajé também se torna cada vez mais apaixonada e rápida. Ele literalmente voa diante da fileira de dançarinos para um lado e para outro, a ponto de parecer que seus pés mal tocam o chão. Eu admirava nisto particularmente o velho Tangaraju; quando ele com os braços abertos, descrevia suas voltas e espirais diante de nós, seus movimentos sempre me lembravam vivamente o vôo da ‘tesoura’. Seu corpo já se tornara ‘leve’, diziam os Guarani.” (Nimuendaju, 1987:87)
A variação do andamento é um dos elementos centrais desse tráfego entre intensidades. O tom trágico que perpassa as descrições do autor, pode ser relacionado aqui com o valor que atribui à dança em sua etnografia. A ironia que corta seus escritos funciona como um vigilante que o mantém atento a não explicar os Guarani ou encerrá-los em paralelos com a tradição do pensamento ou da mística ocidental.
O caráter repetitivo dos cantos com suas frases breves e monótonas e suas variações de compasso conduzem a esse efeito. Essa mesma progressão foi notada nas palestras cerimoniais, na exposição das belas palavras.
A hipótese, vinda das experiências rituais do presente narrador, é de que os canto-dança em seu regime de intensidades marcam a densidade dos planos que estão sendo explorados no momento. Os planos mais densos são atravessados por cantos mais lentos e compassados, enquanto os mais sutis evocam a agilidade e melodia.
Essa dinâmica da travessia, da passagem em que se insere integralmente é acentuado nos esquemas da ritualidade .

Os antigos procuravam um lugar para ir, cantavam para serem levados, haviam alguns que se desapareciam. Havia outro que os irmão maior dele chegavam para eles e levaram. (apud: Galhego, 2000)

Em todo lugar há perigo, o que difere é a densidade que regula os ânimos dos dançadores numa certa homogeneidade. Essa distinção pode ser notada nas palavras em que o canto se expressa.
Os cantos de pássaro geralmente referem-se à alegria. São eles que expressam a alegria dos guahu, em que os grupos de adultos e crianças de mãos dadas deslocam-se correndo entre a oga-py-sy e o pátio.
A progressão que somatiza o grupo beira o imperceptível. Quando se dá conta já se constituiu. Os cantos de Karaí Mirim, William Macena da tekoá Piau, iniciam-se às margens do inaudível e vão, imperceptivelmente tomando conta da opy. Já o canto-dança de che ramói Karaí Poty são marcados por uma transição menos lenta. Logo nos primeiros cantos a intensidade já está bem expressiva, contagiando a todos com sua força.
O tempo é parte constitutiva do movimento transformador. No som assume essência material, constituindo o corpo da música com toda organização ritual. Conduz o corpo pelas modulações de intensidade da ritualidade através das variações do andamento, cuja propriedade é a de criar tempos virtuais . Os glissandos que encerram as canções Kaiowá (haaa) e remetem a aterrisagens, bem como os rallentando das M’byá, remetem ao tráfego de velocidades, à subida, que se está empreendendo.
Busca-se destacar que tais noções referentes ao espaço, tais como subir, descer, alto, baixo, aterrissar etc., no contexto deste trabalho, devem ser entendidas como referências a intensidade, e não como referências espaciais.
O propósito de todos que se entregam ao canto-dança parece ser o de atingir a leveza. No âmbito de uma cultura da serenidade, a leveza é valorizada como propriedade nobre. Tanto os caminhos percorridos durante os canto-dança cotidianos, como nos aty guaçú estão recobertos de perigos. No entanto, esses últimos são mais intensos. O encontro dos nhande ru promovido nos aty guaçú, parece ser o catalisador de intensificação do ambiente cerimonial que se estabelece nessas ocasiões. Atentos aos oráculos, os Guarani são exímios decifradores de destino.
Da leveza depende o melhor desempenho. A sensibilidade permite ao dançador estar atento à densidade do terreno pro onde passa no momento. A grande viagem final tem Añãy pelo caminho. Deve-se pisar macio, pois ele tem sua rede pendurada pelo caminho, onde dorme. A alma tem que passar por cima dele com todo cuidado, pois se ele acorda, agarra-a e a devora .
Sem dúvida, o corpo é o campo em que se constituem essas operações sobre a densidade. O leve e o pesado desdobram-se em entidades a partir das quais se define essa dimensão sutil do ser humano. A essas dimensões, os Guarani Apapocúva (Nhandeva) referem-se, via Nimuendaju, como ayvucué e aciyguá. A partir dessas propriedades/temperamentos articula-se uma lógica da sublimação da corporalidade que encaminha aos fundamentos da ritualidade Guarani pensada como processo de aprendizagem.
“A concepção Apapocúva da composição da alma em ayvucué e aciguá parece, a primeira vista, muito peculiar. Ela seria altamente suspeita de ter uma origem estrangeira, se se a pudesse compreender como forma de explicação para as boas e más disposições do homem. É óbvio que não se trata aqui de um contraste entre o Bem e o Mal, mas do contraste entre os diferentes temperamentos humanos: ao fleumático-melancólico se contrapõe o sangüíneo-colérico”. (Nimuendaju, 1987:44)

A densidade colocada em campo através desse jogo de intensidades que dinamiza o rito, acentua sua dimensão interativa/intersubjetiva. É essa densidade, que faz do canto-dança um dispositivo da corporalidade, o elemento que permite articular tal regime de intensidades com outro regime fundamental na constituição das identidades via corporalidade, o alimentar.

“Pouco depois do nascimento vem juntar-se ao ayvucué um novo elemento, que completa a alma humana: o acyiguá. A palavra é um particípio de acý, que significa como substantivo ‘dor’, e como adjetivo e advérbio ‘vivaz, violento, vigoroso’. O acyiguá é uma alma animal. Os Apapocúva atribuem as disposições boas e brandas do homem ao seu ayvucué, as más e violentas ao seu acyiguá. A calma é uma manifestação do ayvucué, o desassossego, do acyiguá. O apetite por alimentos vegetais e leves provém do ayvucué, o por carne do acyiguá. As qualidades do animal que contribuíram como acyiguá para a formação da alma humana determinam o temperamento da pessoa em questão.” (1987:33)

No vídeo produzido entre 2002 e 2003 pelo Oim-iporã-ma Ore-rekó junto às tekoá Itu e Piau, na exposição do che ramói Karaí Poty, José Fernandes, ao perguntarmos sobre quais os elementos mais importantes que haviam sido incorporados na vida urbana pelo grupo dessas tekoá. Sua resposta referiu-se a duas modificações: as roupas e a alimentação.
Já o idioma e o canto-dança constituem a força desse grupo. Assim como o idioma, a ritualidade mantém-se como atividade central na tekoá . O sonhar é uma das práticas intrinsecamente vinculadas aos processos de transmutação do corpo via ritualidade.
“Quem sonha sabe e pode muito mais que aquele que não sonha; por isso, os pajés cultivam o sonhar como uma das fontes mais importantes de sua sabedoria e poder.” (1987:34)
A leveza é igualmente valorizada no regime onírico. Entre outras homologias com a ritualidade está o fato de dispor-se igualmente numa dinâmica do caminho, da passagem, assim como a ritualidade.
O regime de intensidades disposto no complexo ritual caracteriza o processo de aprendizagem que lhe é inerente. Longe de marcar uma entrega à espontaneidade de gestos descuidados, esse êxtase progressivo dos canto-dança rituais coletivos encaminha o refinamento ao longo dessa aprendizagem. Esse aperfeiçoamento pela leveza do espírito se empreende como e no corpo, a partir do corpo.

“Os Apapocuvá não chama a alma de ang, como fazem as demais tribos da língua geral, mas de ayvucué. Nesta palavra não me é completamente claro o significado da sílaba inicial ay: é possível que corresponda ao ang: vu significa ‘brotar’, e cué é a forma do pretérito. Ayvú significa no dialeto Apapocúva, como já referi, ‘língua’, e em Guarani antigo ‘ruído’. Ayvucué significaria algo como ‘o sopro brotado (da boca)”. (1987:29)

Uma leitura atenta dos princípios confiados a Leon Cadogan no texto fundamental Ayvu Rapyta, encaminham uma redefinição da concepção de palavra na interpretação dessa mística. Essa unidirecionalidade, primorosamente reconduzida por Clastres, pode tender a um logocentrismo, típico da perspectiva interpretante (cf. Mattos, 2003; Montardo, 2002). A noção de palavra ou nome é investida de um sentido sonoro e musical, associado ao cântico.
Essa concepção já se esboça aqui através do comentário fático do autor, ...não me é completamente claro..., confirmada em sua sensível interpretação de ayvú: sopro, bem como em sua tradução alternativa: alma surgida (do corpo), que encaminha igualmente esta hipótese, ilustrando ainda melhor o princípio de Ñamandu’ï: yvára rendupa .
Busca-se, a partir disso, definir a música, antes mesmo da palavra, como fundamento do nome que vincula a alma a sua proveniência divina. Seria ela o elemento central na elaboração de corpos entre os Guarani, na medida em que modula o regime de intensidades que constitui essa interface socialidade/aprendizagem.
Para tanto afirmar, recorre-se a Seeger (1988), quando se refere que a importância central da música deve-se, no mínimo, pela parcela de tempo devotada pelos indígenas às práticas rituais cotidianas, destacando assim a cotidianeidade da música e a importância dessa prática diária em sua própria investigação e aprendizagem. Isto a caracterizaria como prática fundamental à interpretação do seu socius.
Nas práticas de aprendizagem que conduziram esta investigação, os estudos de canto-dança rituais cotidianos fundamentam tais conclusões. Pode-se ainda buscar reforço com Clastres, apoiando-se, a partir da centralidade do tema em sua obra, em sua concepção da dor como elemento ritual de regulação da intensidade. Caracterizando o rito de passagem como momento de máxima intensidade, operado no corpo, demonstra o parentesco entre música e dor via êxtase. O elemento extático, encaminhado pelo excesso de dança e a narcose de tabaco, foi testemunhado por vezes nas tekoá Itu e Pyau. A dor seria um outro regulador de intensidades, assim como a dança, o tabaco e a música.

canto-dança: a ritualidade do mborahei

“Escrever é ocultar-se.”
Bachelard

Mestres da leveza são as crianças. Elas ocupam um lugar fundamental nas cerimônias cotidianas, bem como no principal evento da ritualidade Guarani, o Nhemongaraí, cerimônia de nominação das crianças.
Che ramói Karaí Poty reserva-lhes a seção dos canto-dança diários. É o coro das crianças. É a esse coro que se refere o kyringuê mborai, cântico das crianças que compôs o curso de nhandepy com Karaí Mirim.
Teko’a aexavirema/ kyringuê’i opora’i/ ramoma pawen’ ï/ xarowy’a...xarowy’a

Ao iniciar a cerimônia, forma-se uma fila por ordem de tamanho e cada pequeno apresenta-se dobrando o joelho por três vezes e agradecendo a Tupã Nhande Ru e a todos os presentes. São grandes dançadores e nada se equipara às suas vozes.
Segundo Karaí Mirim, esse coro foi recebido pelo che ramói em sonho. O sonho conduziu-o na concepção do coro e do envolvimento dos pequenos na ritualidade. Hoje a presença das crianças na opy é notável. Uma força para a tekoá Pyau, visto que quando um adulto está triste e ouve os cânticos das crianças, ele logo fica alegre e sabe o que vai fazer.
Este lugar ocupado pelas crianças dentro da organização do ritual tem conseqüências fundamentais na organização política da comunidade e na ritualidade enquanto prática simbólica basal disseminada por toda a sociedade.
Os cantos m’byá e kaiowá tem características marcadamente distintas. Enquanto este caracteriza-se por composições compassadas e numa execução vigorosa, o canto-dança m’byá desenha-se em linhas melódicas suaves e gestos mais contidos, caminhando também, com a variação do andamento, para aquilo que Nimuendaju chama de êxtase progressivo (1987:87) para referir-se ao que denominou-se regime de intensidades coordenado no rito.
Os cantos m’bya coordenam-se às linhas melódicas extraídas de uma fricção da ravé, rabeca guarani, ou das linhas que dissipam a bruma solta pelo petyngua, ou nos gestos dos dançadores, que exprimem em sua agilidade um princípio de lentidão.
O jeroky kaiowá opera com recursos distintos. Isto se evidencia em sua dança. Seus cantos são segmentados, com a reiterada exploração do vibrato. Esse recurso, acionada na dança, com seus gestos repetidos, compõem-se com a execução dos intrumentos sonoros. A batida do takuapú, bastão de dança, como o toque do mbaraká, marcam o compasso do canto nos movimentos do corpo.
Essa segmentarização do ritmo compassado equivale, em movimentos, à função visual dos grafismos que segmentam os corpos e abrem níveis intermediários na continuidade fisiológica dos corpos e do tempo linear a entre-momentos. Equivale ainda aos grafismos dos trançados das cestas e dos jeguakás, cocares.
Característica crucial na distinção dessas composições: enquanto poucos cânticos kaiowá são desprovidas de palavras, entre os M’byá, a exemplo dos Nhandeva, são poucos os cantos que trazem palavras. As palavras ressaltam a marcação unitária destacada pela execução do mbaraká e do do takuapu.
O jogo das vozes que se cruzam, simula as linhas que compõem os movimentos dos corpos em interação, constituindo um mesmo corpo pela vibração, pelo ritmo. A experiência desse corpo coletivo redimensiona a experiência de um corpo individual. Ao trafegar em meio a esse agenciamento corporal são liberadas as linhas do corpo. O que se libera do intercruzamento entre o dentro e fora se encontra ao nível da pele, das superfícies.
O torvelinho com que Nimuendaju descreve o joaçá, dança guarani, permite um vislumbre dessa atuação, dessa interpenetração de linhas que se disseminam ao longo do cerimonial. Essa disseminação vincula-se à intensidade que modula os cantos e sua velocidade.
Essa multiplicidade de linhas verifica-se nos diagramas das danças descritas por Nimuendaju. No entanto, a experiência de participação numa série de canto-dança, em que se atravessa a densidade intrínseca a cada grau de intensidade ultrapassado permitiria uma tal transposição para os recursos da expressão verbal. Os eixos que se constituem com a coordenação coletiva dos corpos em interação liberam verdadeiras linhas de força que servem às operações dos condutores, dos yvyraijá.

Viveiros de Castro elabora sua concepção do perspectivismo norteado por uma categoria central do pensamento ameríndio: a agência. Em Araweté, os deuses canibais, o ponto máximo é marcado pela análise desse recurso no canto da castanheira (1986: 526 e ss.). O regime enunciativo dos cantos araweté parece fornecer os princípios de sua incursão pelo pensamento ameríndio.

“A complexidade essencial do canto dos pajés reside em seu regime enunciativo. A música dos deuses é um solo vocal, mas lingüisticamente é uma polifonia, onde falam diversos personagens, em diversos registros citacionais. Ela é a narração da palavra alheia.” (1992:141)

Embora tanto esse regime enunciativo, como a interpretação de Viveiros de Castro, sejam apropriadas nesta investigação, é necessário pautar algumas dessemelhanças centrais entre os cantos araweté e os guarani. Tal sugestão visa proporcionar um esquema interpretativo resultante da convergência do processo de aprendizagem nas práticas rituais guarani do canto-dança.
O canto guarani é executado pelos coros (chorus: coletivo). Os coros masculino e feminino não se misturam. Há um condutor, um puxador do canto, que geralmente é acompanhado pelos homens numa primeira frase, seguida pelo coro feminino na segunda frase. A partir dessa distinção entre vozes masculinas e femininas exploram-se uma gama de efeitos sonoros diversos relativa a cada canto. O coro dos homens, que não se confunde com o das mulheres, coordena-se a ele.
Em contraste com a ritualidade araweté o canto guarani não é um solo vocal. Ainda assim, se deixa entrever o recurso da interação enunciativa.
Para apropriar o perspectivismo nesse canto encontra-se abertura via os jogos pronominais que esboçam menos complexamente um regime enunciativo, bem como os dêiticos e advérbios de lugar.